O PACK STRIP NA AMERIPEX 86


AMERIPEX 1986

Esta exposição filatélica internacional ocorreu na cidade de Chicago nos Estados Unidos em 1986. Ela durou 11 dias e ocorreu no O’Hare Expo Center, 5500 N. River Rd., Rosemont.

Foi também a primeira vez em que visitei os Estados Unidos.

AS PRIMEIRA IMPRESSÕES

A primeira parada foi na cidade de Miami. De cara achei o aeroporto estranho. Nos corredores existiam painéis nas cores lilás e verde, gosto tipicamente norte-americano. Fiquei apenas algumas horas e logo embarquei para Chicago, a cidade dos ventos.

Quando saí do avião eu precisava alugar um carro e na época eu nem sabia o que era um cartão de crédito. Combinei com o Maurino Ferreira em dividir um bom automóvel. Quando cheguei no balcão, juntamente com a Rose o Maurino e a sua esposa, uma americana falou um monte de coisas e eu não entendi nada. Eu saquei uma nota de 100 dólares e ela falou mais um monte de coisas e apontou para o telefone. Eu aprendi inglês, mas aquilo para mim era outro idioma. Todos os demais passageiros interessados em alugar um carro apresentaram um cartão de crédito e de lá já saíram para dirigir. Eu fiquei esperando até o último passageiro alugar um carro e a balconista apontou para um telefone. Atendi a chamada e aí outra mulher falava numa velocidade espantosa e eu só respondia: yes, yes e yes. Até hoje eu não sei o que elas falaram, mas de qualquer forma eu consegui um alugar um carro automático. Eu nunca tinha dirigido um carro automático, mas segui em frente. Na época, sem GPS e sem mapa, demos um monte de voltas. Muitas horas depois chegamos esgotados ao hotel que ficava do lado do aeroporto. Lá já estavam muitos brasileiros, entre eles o Paulo Rodopho Comelli, Ângelo Lima, Álvaro de Carvalho entre outros.

A exposição era imensa. A cada hora saia um ônibus escolar do hotel para a exposição. No coquetel de abertura outra surpresa. Os norte-americanos tomam vinho com pedras de gelo. Eu nunca tinha visto isso e um francês certamente iria chamar a atenção dizendo: isso não é “baujolais americano” (coca cola).

ANTES DO GRANDE MOMENTO

O grande momento seria o leilão da coleção Gordon John, nome que disfarçava o verdadeiro proprietário (Norman Hubbard). Além do Pack Strip e do pano de 18 selos de 60 réis a coleção apresentava dezenas de selos, múltiplos e cartas com Olhos de Boi. O clima era tenso, pois o grande momento estava chegando.

PACK STRIP

Antes, porém, eu precisava tentar vender algumas peças raras para encarar a concorrência. Eu estava com o bloco de 15 x 600 réis Inclinado e algumas cartas com Olhos de Boi. O Maurino estava com muitas cartas com Olhos de Boi e o famoso xifópago 30 + 60 réis Olho de Boi. O xifópago 30+60 réis Olho de Boi era a nossa logomarca (veja a imagem do atestado do RHM de 1988).

Meu pai havia adquirido o xifópago na década de 60 e era o orgulho da família. Eu me lembro que ele colocou a peça na minha mão (eu tinha cerca de 10 anos) e dizia: não feche a mão. Existe uma foto deste momento, mas eu não sei onde está.

O Maurino, desejando também vender algumas raridades, chamou-me ao seu quarto para separar algumas peças. Como ele não falava inglês, pediu-me que eu realizasse a venda mediante o recebimento de uma comissão. Só que ele adorava as peças e ia mostrando uma a uma e aumentando o preço. Eu dizia: Maurino, desse jeito eu não vou conseguir vender nada, muito menos antes do grande leilão. Dito e feito. Visitei todos os grandes comerciantes e voltei ao quarto dele dizendo: é não deu em nada. No dia seguinte, véspera do grande leilão nós estávamos comendo um lanche de pé. Estávamos em três pessoas ao redor de uma minúscula mesa redonda e alta. O Maurino tentando colocar a pasta dele na mesa, o Ângelo Lima ao meu lado e de repente BUM. A mala do Maurino despenca e uma folha da coleção sai da mala e cai no chão. Uma senhora que estava passando, agachou-se e recolheu a folha dizendo: pena que não é dinheiro. O Maurino perguntou: o que a mulher falou? Eu traduzi e nós rimos demais. A folha continha nada menos que o 30 + 60 réis xifópago.

NOITE ANTES DO LEILÃO

Estávamos no bar, Comelli, Ângelo Lima e eu, tomando um Jack Daniels e a conversa rolava. O Comelli queria saber o porquê o catálogo não ter reajustado uma Folhinha Filatélica rara que ele havia comprado na RHM. Foi por essa razão que ele nunca mais havia nos visitado. Eu parei para pensar e descobri o motivo.

O catálogo era feito com fotolitos e era em preto e branco. A cada ano nós digitávamos os novos números, raspávamos os antigos e colávamos isso com bastão de cola no novo catálogo. Isso dava um trabalho imenso, pois após isso a chapa era queimada e as bordas de cada cotação era pintada nos quatro cantos, uma operação essa chamada de “abdec”, palavra de origem alemã “abdecken” que significa cobrir.

Como ficávamos noites e noites colando cotações, tendo como referência o catálogo do ano anterior. Neste processo uma ou mais cotações podiam cair e os montadores olhavam no catálogo antigo e colavam a cotação desatualizada. Um deles foi daquela da folhinha filatélica que o Comelli havia comprado e por isso ficou possesso com a nossa empresa. Isso resolvido, o Comelli voltou a comprar de novo conosco, mas desta vez os selos da emissão Dom Pedro e não mais blocos e folhinhas.

Já era madrugada e o Ângelo Lima começou a conversa de comprar o Pack Strip junto comigo (parceria). Eu telefonei para São Paulo e falei com os meus pais. Eles disseram que não, pois iria dar confusão. Um ano a peça fica conosco e no outro com ele e isso não iria funcionar.

Antes de falar do leilão em si, vale a pena lembrar que na véspera do leilão de selos do Brasil havia um leilão de selos norte-americanos. Eu fui lá para ver como era e achei difícil entender os números que o leiloeiro dizia. Ele não falava em milheiros (hundred thousand). Para 11.000 ele dizia “eleven hundred” (11 + 100) e na mesma rapidez da balconista do aeroporto. Para mim era tudo novidade. Foi aí que eu vi um rapaz com idade entre 25 e 30 anos comprando um avião invertido (Jenny) por US$ 50.000.

Eu pensei comigo: cara louco, tanto dinheiro por um único selo! Não é que ele estava certo. Hoje vale pelo menos 20 vezes mais. De qualquer forma foi um dia de sorte. Neste mesmo leilão (ninguém viu) havia uma quadra nova 280 réis com goma e eu comprei pelo preço de partida.

O DIA DO LEILÃO

A tensão estava no ar. Eu não fechei o acordo com o Ângelo o que significava que haveria uma disputa. Curiosamente, ele sentou-se ao meu lado esquerdo e a Rose do meu lado direito. Lote 1, 30 réis Olho de Boi novo (eram apenas 4 disponíveis). Todos saíram por bem mais que o valor indicado. A coisa iria pegar fogo.

O selo Olho de Boi de 60 réis semi xifópago com carimbo de primeiro dia foi colocado e lá estava eu lançando. De forma estranha ele foi arrematado sem que eu pudesse superar o lance. O leiloeiro bateu rápido e eu perdi. Pensei comigo: tudo bem, força total na tira Pack. Abriu em 180 mil, dei 190 e assim subiu até 230 e eu dei 240 (eu não tinha isso, mas encarei). Ai, lá na frente um cara disse 250 mil e “sold”, vendido. Olhei para o lado e o Ângelo impassível. Uma pedra de gelo. Ai a questão ficou no ar: Quem comprou, quem, quem?

Quando terminou o leilão o Ângelo nos convidou para tomar um sorvete. Estava quente em Chicago e lá fomos nós. Tomamos o sorvete, conversamos e fomos para o hotel. O Ângelo acabou comprando a minha quadra 280 réis e a quadra 300 réis Inclinado (peça única) do Siegel. Eu havia dito para ele que nos selos do Brasil Império existe a síndrome do “3” nos nossos numerais. Nos numerais as quadras novas com “3” são as mais raras (exceto 30 réis Inclinado e Vertical).

Quadra 30 réis Olho de Boi nova (duas existentes)

Quadra 300 réis Inclinado nova ou usada (uma existente)

Quadra 300 réis Vertical nova (três existentes)

A SURPRESA

Apenas em 1989, três anos após a AMERIPEX de Chicag,o é que o Pack Strip aparece. Na exposição comemorativa dos duzentos anos a Revolução Francesa, PHILEXFRANCE89, a coleção vencedora era de quem? Ângelo Lima do Brasil. Isso mesmo. Ele guardou segredo por todos estes anos e quando apareceu na exposição ganhou o grande prêmio. Um prêmio merecido e inesquecível.

O sonho dos meus pais não se realizou, mas de qualquer forma valeu ter participado desta história. Já em 2008 lá estava eu tentando outra vez comprar a tira Pack no leilão de New York. Desta vez não deu nem para levantar a mão. Também pudera, ela passou dos 2 milhões de dólares.

Atualmente a peça está na Ásia. Quem sabe um dia voltará para o Brasil.

Peter Meyer

 

 

 

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