A História do Selo Mais Famoso do Mundo


A História do Selo Mais Famoso do Mundo

“British Guiana 1856 One-Cent, Black on Magenta Surface-Colored Paper”
                                                                                 por Reinaldo Jacob,
                                        Comissão de Filatelia Moderna da FEBRAF,
                 Editor do boletim - SPP - Sociedade Philatelica Paulista.
                                                    e-mail: reinaldo.jacob@aasp.org.br

 

O selo da Guiana de 1 cent (conhecido como One Cent, Black on Magenta) (imagem acima), o mais raro e caro selo do mundo, somente um exemplar conhecido, foi emitido em 1856, em conjunto com outro selo no valor de 4 cents, pela agência postal da capital da Guiana Inglesa, na época colônia do Reino Unido.

A Guiana foi constituída como uma colônia britânica em 1837, após aquisição junto à Holanda dos territórios de Essequibo, Berbice e Demerara, onde se localizava a capital, Georgetown. A colônia vivia tempos difíceis, com o fim do ciclo canavieiro - principal fonte econômica e que entrara em declínio na metade do século XIX.

Assim, em 1856, o estoque de selos postais estava chegando ao fim, antes que houvesse uma remessa enviada pela metrópole. Visando a manutenção dos serviços postais, o chefe dos correios local deliberou que fossem impressos ali mesmo selos provisórios, que fossem o mais similares com aqueles emitidos em Londres. A confecção então coube ao tipógrafo do "Official Gazette", que tomou por modelo as estampas dos selos emitidos em 1852 (1 cent na cor magenta e 4 cents na cor azul) (imagens abaixo).

Devido ao fato de que as estampas ficaram muito simples e de fácil fabricação, o chefe dos correios determinou que os funcionários apusessem suas assinaturas a cada venda, com o objetivo de evitar a falsificação.

 

Os selos foram desenhados e impressos em pares, verticais. O selo da parte superior é conhecido como Tipo um (par maior) e o selo da parte inferior como Tipo dois (par menor).

Os selos de 4 cents foram impressos em preto em quatro cores de papeis: magenta (primeira imagem acima), rosa camim (segunda imagem acima), azul escuro (terceira imagem acima) e azul claro (quarta imagem acima), e tinha um formato mais largo e menos longo que os originais de 1852, que serviram de modelo. Um pequeno quadrado trazia no seu interior a pequena imagem de um veleiro sobre e abaixo do qual estava escrita a expressão em latim "Damus Petimus / Que Vicissim" (Damos e tomamos por isso). Fora do quadrado, nas partes superior e inferior o nome: British / Guiana; aos lados esquerdo e direito: Postage / One Cent e Postage / Four Cents.

O “One-Cent Magenta” é um exemplar único (imagem acima), impressão em preto, papel na cor magenta. Ao longo do ano a impressão foi repetida à medida em que os papéis mudaram e vários estados são conhecidos. A julgar pelos selos de 4 cents (tipo de papel e estado), o “One-Cent Magenta”, quase que certamente, foi impresso no final de janeiro de 1856.

HISTÓRICO

O “One-Cent Magenta” foi comprado nos Correios em 4 de abril de 1856 ou data anterior, postado, afixado em um envelope ou jornal e, provavelmente, endereçado para o Sr. Andrew Hunter.


         Após 17 anos, em 1873, Louis Vernon Vaughan (imagem acima) (sobrinho de Andrew Hunter), na época um jovem colegial inglês com 12 anos de idade, cuja família havia imigrado para a Guiana Britânica, colecionador de selos, enquanto limpava a casa de seu tio, encontrou o exemplar da estampa, suja, cortado a tesoura no formato octogonal, nas quais mal se podia divisar a assinatura do funcionário dos correios - E.D.W. (Edmond Dalzell Wight) e o carimbo aplicado na postagem: Demerara Ap 4, 1856.

Vaughan ficou feliz ao guardar o selo em seu álbum. Ele não poderia saber que o “One-Cent Magenta” era único exemplar.

Vale ressaltar que, caso o “One-Cent Magenta” tenha sido utilizado para o envio de jornal, o selo foi cancelado na data de 4 de abril de 1856, sexta-feira, e que o Diário Oficial da Guiana Britânica era publicado apenas nas quartas e sábados, todavia existiu uma emissão "Extraordinária" de uma página na sexta-feira, 4 de abril de 1856 (mesma data do carimbo que consta no selo).

O “One-Cent Magenta” foi logo vendido para Neil Ross McKinnon, (imagem acima), um colecionador local, por 6 shillings (US $ 1,44) e por este, em 1878, junto a toda sua coleção, para um comerciante de selos chamado Thomas Ridpath, de Liverpool, num valor total de 120 Libras esterlinas.

Thomas Ridpath (imagem acima), vendeu o “One-Cent Magenta, por sua vez, a um colecionador austríaco de nome de Philipp La Rénotière von Ferrary, um dos maiores filatelistas europeus, no valor individual de 150 libras, permaneceu em sua coleção por mais de 40 anos.

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em julho de 1914, Philipp La Rénotière von Ferrary (imagem acima), encontrava-se na Holanda, como cidadão austríaco não pode retornar à França, instalou-se na Lausanne na Suíça. Ferrari faleceu aos 67 anos em 20 de maio de 1917 na Suíça, deixou em testamento toda a sua coleção para o Museu Postal de Berlim. No testamento afirmava seu desejo de que "o legado filatélico, ao qual dediquei toda a minha vida com o maior empenho, deixo com orgulho e alegria a minha pátria alemã”.

Inicialmente, os franceses sequestraram a coleção, exigindo cinco milhões de francos em imposto sobre herança, do Museu do Correio de Berlim. Se apropriaram da coleção como sendo de “propriedade inimiga”, de acordo com as disposições do Tratado de Versalhes que entraram em vigor em janeiro de 1920. O governo francês anunciou que a coleção seria vendida em leilão, com o produto da venda sendo deduzido das reparações de guerra devidas pela Alemanha para a França. Após este anúncio, duas ofertas foram recebidas para a coleção integral. Uma oferta de um colecionador americano desconhecido, possivelmente Arthur Hind ou Alfred Lichtenstein, por aproximadamente 11,5 milhões de francos e outra oferta de Stanley Gibbons, Ltd., por 14 milhões. Ambas ofertas foram recusadas.

Quatorze leilões, sob a supervisão de Monsieur Gerard Gilbert, no período entre 23 de junho de 1921 à 26 de novembro de 1925, foram necessários para vender os selos confiscados de propriedade de Philipp von Ferrary, pelo Governo Francês.

A maior coleção de selos que o mundo já conheceu foi dividida em mais de 8.000 lotes, alguns lotes continham mais de 10.000 selos. As descrições eram escassas, não foram oferecidas garantias de autenticidade ou de condição, a visualização foi limitada e as queixas foram ignoradas. Ainda assim, cerca de 200.000 selos foram vendidos sob o martelo no famoso Hôtel Drouot, incluindo quase todas as raridades, então conhecidas, atingindo um total de mais de 27 milhões de francos franceses. O “One-Cent Black on Magenta de 1856” apareceu como lote 295, na segunda sessão da terceira venda, prevista para a tarde de quinta-feira, de 6 de abril de 1922. A exibição privada da venda estava disponível nos escritórios de Monsieur Gilbert. A primeira exibição pública do selo ocorreu na tarde de terça-feira, 4 de abril de 1922, exatamente sessenta e seis anos após a obliteração na Guiana Britânica. Em 6 de abril de 1922 o “One-Cent Magenta” foi leiloado, reunindo colecionadores de todo o mundo. Foi arrematado pelo comerciante londrino Arthur E. Griebert, preposto do milionário americano Arthur Hind (imagem abaixo), por 300 mil francos.

Arthur Hind faleceu em 1 de março de 1933. No testamento constava que o “One-Cent Magenta” e toda sua coleção, deveriam pertencer à sua família na Inglaterra, devendo ser vendido e o lucro obtido devidamente repartido entre eles. A disposição testamentária foi contestada pela viúva Ann Leeta Hind que, judicialmente, requereu um terço da propriedade e a integralidade do “One-Cent Magenta”, dizendo que lhe foi doado pelo marido.

Em 8 de novembro de 1933 Sra. Ann Leeta Hind casou-se novamente, tornando-se a Sra. Ann Leeta Hind Scala (imagem acima com o One-Cent Magenta). No início de maio de 1934, quando o casamento foi divulgado publicamente, o processo foi resolvido fora do tribunal, por um montante não divulgado. A Sra. Hind Scala considerou o acordo "satisfatório". O único detalhe confirmado publicamente foi que a propriedade do “One-Cent Black on Magenta” havia sido estabelecida: era da Sra. Scala.

Sra. Scala consignou o “One-Cent” com a empresa londrina Hammer, Rooke & Co, para um leilão em 30 de outubro de 1935, obtendo como maior lance um valor de 7.500 libras, o que não satisfez à viúva, assim o selo foi retirado, não vendido e voltou para os Estados Unidos. Vários leilões se sucederam, sem sucesso de venda, até que em 8 de agosto de 1940 foi vendido para um comprador não identificado, e o valor não divulgado. A negociação foi realizada em tamanho sigilo que nem mesmo a Ann Leeta Hind Scala conhecia a identidade do comprador.

Esse comprador não identificado era Frederick Trouton Small (imagem acima) e o valor da compra foi de US$ 45.000. Esse sigilo permaneceu por trinta anos. Nem mesmo a esposa de Frederick Trouton Small sabia da aquisição do “One-Cent Magenta”. Mesmo no anonimato do proprietário, o “One-Cent Magenta” foi exposto nas exposições: New York Centenary International Philatelic Exhibition - 17 a 25 de maio de 1947; New York Fifth International Philatelic Exhibition - 28 de abril a 6 de maio de 1956; Melbourne International Philatelic Exhibition - 6 a 12 de outubro de 1963 e London Stanley Gibbons Catalogue Centenary - 17 a 20 de fevereiro 1965.

Em 24 de março de 1970, no horário noturno, longe das vistas dos filatelistas e da imprensa, o “One-Cent Magenta” foi vendido pelo valor recorde de US$ 280.000, para um consórcio de investimentos encabeçado por Irwin Weinberg, da Miner Stamp Co. Durante o período em que o “One-Cent Magenta” esteve na posse de Irwin Weinberg (imagem acima), na presença de seguranças e preso por uma maleta algemada no pulso, o selo foi levado e exibido nas cidades de Zurique, Tóquio, Praga, Hamburgo, Berlim, Madri, Paris, Londres, Sydney, Nova Deli, Toronto, New York e Filadélfia.

Após uma década de ausência em exposições e salas de leilões, o “One-Cent Magenta” ressurgiu em 5 de abril de 1980, no leilão Siegel. A venda foi bem sucedida e alcançou o montante de US$ 935.000. O comprador não identificado estava presente, mas tinha deixado as instruções de licitação com o leiloeiro antes da venda, então ele conseguiu assistir o leilão, comprar o “One-Cent Magenta”, sem chamar a atenção.

Em 1986, o novo proprietário exibiu o “One-Cent Magenta” como parte de uma exposição de selos clássicos da Guiana Britânica, na exposição Ameripex '86 International Stamp Show, em Chicago e foi premiado com o Grand Prix International. Embora o proprietário se apresentasse com o pseudônimo Rae Mader, havia forte suspeita que o verdadeiro proprietário era John E. du Pont (imagem acima), herdeiro da fortuna da companhia química, excêntrico desportista amador e colecionador (assista o filme Foxcatcher sobre a vida de John E. du Pont). 

Du Pont exibiu o selo pela última vez no CUP-PEX 87 em Perth, em conjunto com a 1987's America's Cup.

No dia 17 de junho de 2014 o “One-Cent Magenta” foi novamente leiloado, em Nova York, alcançou o valor de US$ 9,5 milhões, estabelecendo novo recorde mundial, superando em valor o Treskilling Amarelo, da Suécia (imagem acima), até então considerado o selo mais caro do mundo. Os lances partiram de US$ 4,5 milhões e em apenas dois minutos o selo foi vendido por telefone para um comprador anônimo, segundo informações de David Redden, diretor de Projetos Especiais da Sotheby's, casa de leilões que cuidou da venda.

Em novembro de 2014, o National Postal Museum da Smithsonian Institution anunciou que o proprietário anônimo do “One-Cent Magenta” havia concordado em exibi-lo no museu em Washington, DC, a partir de 4 de junho de 2015 até 4 de setembro de 2018. Também ficou exposto uma cópia de um livro de quadrinhos de Donald Duck, The Gilded Man (OS 422), de setembro e outubro de 1952 (imagem acima), cujo elemento central da trama gira em torno de Donald e seus sobrinhos, Huguinho, Zezinho, Luisinho, indo para a Guiana Britânica para tentar encontrar outra cópia do “One-Cent Magenta”. O quadrinho é escrito e desenhado pelo lendário Carl Barks.

O “One-Cent Magenta” foi exibido na Corte de Honra no World Stamp Show - NY 2016, em Nova York, de 28 de maio a 3 de junho de 2016 (imagem ao lado).

Na data de 6 de março de 2017 ocorreu o lançamento do livro “THE ONE-CENT MAGENTA: INSIDE THE QUEST TO OWN THE MOST VALUABLE STAMP IN THE WORLD”, autoria de James Barron, editora Algonquin Books, com 276 páginas (imagem acima).

Expertização:

- Dois certificados de expertização acompanham o “One-Cent Magent”, emitidos pelo Comitê de Peritos da Royal Philatelic Society de Londres: Certificado nº 18 796 (17 de outubro de 1935), assinado por Thomas William Hall e Certificado nº 217 796 (17 de março de 2014), assinado por Christopher Harman.

- Também foi examinado por Thomas Lera, o presidente de pesquisa Winton S. Blount do Smithsonian National Postal Museum, em 17 de abril de 2014, e várias fotografias tiradas pelo Sr. Lera são reproduzidas no catálogo.

Proveniência:

Andrew Hunter (1856-1873), destinatário original do envelope ou jornal postado com o "One-Cent Magenta";

Louis Vernon Vaughan (1873);

Neil Ross McKinnon (1873-1878);

Thomas Ridpath (1878);

Philipp de la Rénotière von Ferrary (1878-1920);

Governo da França (1920-1922);

Arthur M. Hind (1922-1933);

Ann Leeta Hind Scala (1933-1940);

Frederick Trouton Small (1940-1970);

Irwin Weinberg, da Miner Stamp Co. (1970-1980);

John E. du Pont (1980-2014)

Proprietário Desconhecido (2014)
 

Exposições Filatélicas:

- London International Stamp Exhibition - 14 a 28 de maio de 1923;

- New York - New York International Stamp Exhibition - 16 a 23 de outubro de 1926;

- Le Havre, France, Exposition Philatélique Internationale - 18 a 26 de maio de 1929;

- Boston, American Philatelic Society National Exhibition - 11 a 16 de agosto de 1930;

- New York World’s Fair, British Pavilion May - Maio de 1940;

- New York Centenary International Philatelic Exhibition - 17 a 25 de maio de 1947;

- New York Fifth International Philatelic Exhibition - 28 de abril a 6 de maio de 1956;

- Melbourne International Philatelic Exhibition - 6 a 12 de outubro de 1963;

- London Stanley Gibbons Catalogue Centenary - 17 a 20 de fevereiro 1965;

- Chicago Ameripex International Stamp Exhibition - 22 de maio a 1 de junho de 1986;

- Perth, Australia, CUP-PEX National Philatelic Exhibition - 31 de janeiro a 8 de fevereiro de 1987;

- New York - Stamp World Show - 28 de maio a 4 de junho de 2016.
 

Referências Bibliográficas:

Sotheby’s. The British Guiana. Disponível em: <http://www.sothebys.com/magenta>. Acesso em: 18/01/2018.
SMITH, Timothy R. ‘The One-Cent Magenta’ is a brisk tale of ‘the most valuable stamp in the world’.

Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/entertainment/books/the-one-cent-magenta-is-a-brisk-tale-of-the-most-valuable-stamp-in-the-world/2017/03/06/998a4840-0286-11e7-b1e9-a05d3c21f7cf_story.html?utm_term=.16d5667e508b>. Acesso em: 18/01/2018.

France Press. Selo de 1856 bate recorde ao ser leiloado por US$ 9,5 milhões. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/06/selo-de-1856-bate-recorde-ao-ser-leiloado-por-us-95-milhoes.html>. Acesso em: 18/01/2018.

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